quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Agro Brasil: século 19 ou 21?

As manchetes a respeito do agronegócio cada vez mais acentuam as suas contradições. A supersafra vem acompanhada da revisão sobre o trabalho escravo, e os drones vão conviver com a senzala.

Os milhões de toneladas da próxima safra devem vir acompanhados de longas jornadas de trabalho e perdas salariais para os trabalhadores rurais da ordem de 20%. Tornou-se possível reduzir a remuneração e tornar mais pesado o trabalho de um dos estratos de trabalhadores mais pobres e com situação mais precária do país.

No campo ambiental seguem os ataques às terras públicas, como a Reserva do Jamanxim, brechas para grileiros desmatadores e mudanças para flexibilizar a regulação sobre os agrotóxicos e para o licenciamento ambiental.

A dívida dos produtores com o crédito rural oficial foi rolada novamente. Ademais, o UOL revelou que a dívida de proprietários rurais com a União relativa ao ITR (Imposto Territorial Rural) cresceu 49% em cinco anos e chegou a R$ 28,5 bilhões.

O setor nem paga o seu imposto mais básico, que já é muito baixo e sistematicamente subdeclarado e sonegado no Brasil. O recente relatório da Oxfam Brasil sobre as desigualdades aponta o tamanho da concentração da terra em nosso país.

Mas é importante destacar a concentração dos passivos do agro com a nossa sociedade. Segundo o UOL, os cinco maiores devedores do ITR acumulam uma dívida de R$ 4,9 bilhões. Estudo do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) concluiu que 6% dos imóveis rurais têm 59% da área da "dívida" com o Código Florestal.

Embora impactem todos e atinjam muitos laranjas, as concessões aos grileiros e aos escravocratas beneficiam muito poucos. O atraso está localizado em uma minoria podre que passou a dominar o Planalto e o Congresso.

A sociedade civil tem feito o seu papel de apontar os retrocessos e as suas consequências. Também tem criado mecanismos para a diferenciação dos responsáveis dos podres para o mercado e para o mundo. Todavia, a liderança do agro segue indivisível, monolítica, retumbando sobre os progressos do setor. Associações de classe e líderes seguem com o discurso afinado de que vai tudo ótimo.

Esta cegueira política não cabe mais num ambiente moderno e globalizado. O mundo nos cobra coerência. Se a sociedade civil vem fazendo o seu papel, chegou a hora de a banda responsável do agro ter a coragem de enfrentar o problema e fazer a faxina necessária para separar o joio do trigo.

Enquanto isso não for feito, seremos todos joio e naufragaremos no século 21 sequestrados pelos líderes do século 19.

LUÍS FERNANDO GUEDES PINTO é engenheiro agrônomo do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e faz parte da Rede Folha de Empreendedores Sociais




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