segunda-feira, 11 de maio de 2015

Uma garagem e 20 anos de história

Anos 90: no cenário internacional o debate sobre o destino das florestas tropicais era intenso e a sociedade civil  organizava –se  em torno de diferentes propostas para defendê-las. No Brasil, essa discussão avançava e a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, a ECO 92, que aconteceu no Rio de Janeiro, acrescentou ao tema a perspectiva da sustentabilidade, apoiada nos pilares social, ambiental e econômico.

A percepção de que a conservação  da Amazônia e de outros grandes maciços verdes se daria por meio de sua inserção na economia florestal, baseada no princípio do bom manejo, reunia estudiosos e Organizações Não Governamentais de várias partes do mundo. Foi em torno dessa ideia que, em 1993,  nasceu o Forest Stewardship Council®, o FSC, no Canadá.

No Brasil,o  indigenista André Vilas Boas e os engenheiros florestais Virgílio Viana e Tasso Azevedo,  na época, pela ordem, professor e estudante, na Escola Superior Luiz de Queiroz, já estavam envolvidos nesse debate até a alma. E, além do bom manejo, alertavam para a importância de  combinar agricultura e conservação, tema também de grande relevância nos debates atuais.

Estavam lançadas as sementes do que viria a ser o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola, o IMAFLORA. O percurso entre a garagem da Rua Carlos de Campos, no Bairro Alto, onde funcionou em seu início,  e a sede própria,  na estrada Chico Mendes, sempre  em Piracicaba, passa por desafios, inovações, análises, discussões  e uma imensa disposição  para contribuir  com um mundo melhor e mais justo. 

O atual  secretário executivo, Maurício Voivodic,  analisa esse período e os novos desafios do cenário socioambiental.

Ao olhar para a trajetória do IMAFLORA nesses 20 anos, qual a sua avaliação, qual é o sentimento que vem à tona?

Na área em que o IMAFLORA atua, na busca por um mundo melhor, o sentimento é misto: é  o  de termos avançado bastante, mas o de ainda ter muito pela frente.  Há um forte sentimento de realização por várias e importantes conquistas no meio socioambiental, mas também há a percepção de estarmos apenas no começo de uma longa jornada. Tivemos várias conquistas nesses 20 anos: a certificação FSC consolidou-se no Brasil e no mundo. A certificação agrícola da Rede de Agricultura Sustentável cresceu bastante nos últimos anos, e hoje é a opção de milhares de produtores e empresas de alimentos em diversos países. O mundo mudou e contribuímos para isso. Mas novos desafios surgiram, alguns ainda maiores e mais complexos e, portanto, ainda temos muito trabalho pela frente.

É possível identificar contribuições do IMAFLORA para as mudanças a que se refere?

Pela linha do tempo que está em nosso site é possível perceber a diversidade de nossas ações ao longo desses 20 anos. Seria difícil ou injusto escolher. No entanto, vejo uma contribuição clara do IMAFLORA na discussão sobre a importância de aliar a conservação dos recursos naturais à produção. Hoje isso é inquestionável, a sociedade não tem dúvidas quanto à  isso, mas havia grande resistência há 20 anos. Os empresários acreditavam que incorporar critérios de sustentabilidade inviabilizaria o negócio. Por isso, o reconhecimento que existe atualmente é um grande avanço. O difícil agora é implementar esses critérios  em grande escala e não apenas em alguns nichos ou em práticas pontuais.

Você apontaria esse ganho de escala como um dos grandes desafios da agenda ambiental para os próximos anos?

Sim, é um enorme  desafio incorporar os aspectos da produção sustentável nas grandes cadeias produtivas globais. Especialmente nas de maior impacto social e ambiental.  As  commodities agrícolas, a produção de madeira na Amazônia e de carvão vegetal são algumas delas, para ficar em exemplos em áreas  nas  quais o IMAFLORA trabalha. Outra questão fundamental é a da rastreabilidade plena de tudo o que consumimos. As cadeias produtivas se expandiram e tornaram-se muito complexas, ficou mais difícil conhecer a origem e acompanhar o caminho percorrido por um produto. Por várias razões, não é mais aceitável  desconhecer a origem  de uma mercadoria , ou seus impactos ao longo da cadeia produtiva. Em tempos de acesso pleno à informação e transparência, impulsionados pela internet e  outros meios de comunicação, este é um tema que precisa ser resolvido rapidamente e, com isso, ninguém mais poderá  isentar-se da   responsabilidade  sobre de onde veio o produto que comprou.

Há outros pontos mais que você destacaria?

A necessidade de “limpar” as cadeias produtivas já é um desafio enorme. Isso pensado em um cenário que combina aumento expressivo da população mundial, escassez de  recursos naturais e mais a crise climática é um desafio gigantesco. A possibilidade de eventos climáticos extremos torna o quadro muito mais imprevisível. Outra questão fundamental é garantir meios para que as populações que vivem na floresta, como os povos indígenas e as comunidades extrativistas, tenham boa qualidade de vida e acesso a bons serviços de saúde e de educação. Esses povos são historicamente responsáveis pela proteção de milhões de hectares de floresta em todo o Brasil e, em especial, na Amazônia. Este é um serviço de imenso valor para a sociedade, pois ajuda a regular o clima, a produção de água e a provisão dos produtos da biodiversidade que utilizamos diariamente. O modo de vida destas populações, e seus territórios, encontram-se hoje ameaçados e este é um grande desafio que precisamos enfrentar.

Você enxerga uma saída? Qual seria a proposta?

As soluções aparecem quando os diversos atores da sociedade somam esforços em torno de objetivos comuns que trazem ganhos para ambas as partes. Proteger as florestas na Amazônia, por exemplo, ou proteger as nascentes e os rios em uma propriedade rural no Paraná, é bom para todos: para os produtores, os consumidores, as empresas, o governo e a população em geral. E a responsabilidade também deve ser compartilhada entre todos, cada um tem um papel a cumprir na busca pela sustentabilidade. Não dá mais para achar que essa é uma atribuição apenas do governo. Algumas empresas já estão mostrando que, quando assumem compromissos ao longo de suas cadeias produtivas, de forma independente ou em parceria com os governos, geram uma onda de impactos positivos, que vão além da geração de lucro aos acionistas – mas que também contribuem muito para isso.  No IMAFLORA temos assumido, cada vez mais, o papel de facilitador das relações entre os diversos atores envolvidos nas cadeias de valor de produtos florestais e agrícolas. Desta forma já observamos casos de grande sucesso, que geraram benefícios sociais, ambientais e econômicos para os produtores rurais e as comunidades tradicionais, assim como para as empresas envolvidas. Agora, queremos ampliar o uso desta receita para causar ainda mais impacto e estamos sempre abertos para construir novas parcerias que sigam nesta direção. 

Houve mudança no perfil da Instituição? Como os novos desafios foram incorporados à missão do IMAFLORA?

É importante dizer que a identidade institucional se mantém a mesma desde que a gente começou. A motivação da existência do IMAFLORA, a visão de mundo, os valores, estão mantidos. O que mudou foi a busca de uma implementação de práticas em escala maior, porque no início o foco do IMAFLORA era muito voltado para programas piloto, que pudessem ser usados para demonstrar que os resultados que buscávamos eram possíveis.  Atualmente o  IMAFLORA  opera para gerar soluções que permitam a incorporação da sustentabilidade em grande escala.  Acho que essa é a principal mudança. E essa trajetória só foi possível porque temos um Conselho muito atuante, muito comprometido e que acompanha de perto os direcionamentos da organização, além de uma equipe motivada, jovem e inovadora. E este perfil tem se mantido ao longo dos anos, o que é incrível. Somos um grupo inconformado, que quer transformar o mundo e que abraça a causa como ideal individual de vida. Acho que a combinação Conselho forte e Equipe ousada e motivada foi o segredo para essa história de sucesso.  




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